Fernanda Caleffi Barbetta

Tá vendo ele ali na cadeira reclinável? Os pés enterrados na areia, a cara queimada, o bigode suado, a sunga marcando na cintura. Ele odiava praia, “faz um calor tremendo e eu não suporto aquele mormaço”, resmungava quando eu sugeria um reveillon em Mongaguá. “Praia de pobre”, ele dizia, como se fosse rico.

Agora tá lá, estatelado naquela cadeira, barrigudo, comprou até camarão frito, dois espetinhos, lambeu os dedos. Nojento. Quando eu pedia um pastel da barraquinha que montavam bem perto da gente, aquele cheiro de fritura, quase hora do almoço, minha barriga roncando, “é comer e morrer na praia”, ele fazia piada e ria debochado.

Olha lá, tá levantando, vai pra água, agora é desses que pula onda, mergulha, pega jacaré. Na minha época, sentia arrepio só de pensar em voltar pra casa melecado. Uma vez ele entrou no mar e foi até a pousada feito um robô porque não podia encostar os braços no corpo ou uma perna na outra, “tá grudando tudo, você fica enchendo o saco para eu entrar na água”.

Ah lá, molhou o pé e se benzeu, nunca acreditou em Deus, agora reza antes da água chegar na canela. Deve estar com medo de morrer. Molhou até a cabeça. E vai sair melecado e sorridente, capaz de se convidar para o vôlei, que ele nem sabe jogar, e se enturmar com a rapaziada. Ele odiava “esses moleques vagabundos e sem respeito que ficam jogando bola atrapalhando os outros banhistas”, dizia alto. Eu morria de vergonha e pedia que falasse baixo, mas aí ele gritava mais, “falo baixo nada, é pra saberem mesmo”, e me mandava calar a boca.

Agora ele tá mais lá no fundo, ficou corajoso. Na minha época, nos raros dias em que decidia entrar no mar pra espantar o calor ou pra mijar, não sei, mal se molhava e queria sair logo, “a água tá fria”, resmungava. Agora tá lá onde nem dá mais pé.

Mergulhou, cadê?, voltou, tá abanando as mãos, será que tá chamando alguém?, nossa, acho que tá se afogando, meu Deus, olha como bate os braços, mergulhou de novo, voltou, você tá vendo lá?, mergulhou, voltou, parece que tá se afogando, não parece?, mergulhou, voltou, ai, eu acho que sim, meu Deus, coitado, justo agora que a vida estava tão boa.