Marília Abreu

Aleister Crowley ecoou uma sentença que atravessou décadas como um raio em céu nublado: “Faça o que tu queres, que é da lei”. A frase, em sua origem, carregava a complexidade de quem falava de Vontade com V maiúsculo — não o capricho do Ego, mas a pulsação do Thelema, o propósito cósmico entranhado na alma. Mas eis o paradoxo: o que nasce como um chamado à transcendência é facilmente sequestrado pela miopia do humano comum. Transforma-se em justificativa para um hedonismo raso, onde a magia vira ferramenta de dominação, o espiritual torna-se servo, e o “mago” se enxerga como tirano de um universo que, supostamente, deveria curvar-se a seus desejos.  

Aqui, a Wicca entra com um sopro de contradição — ou seria de lembrança? Porque não se trata de negar o poder individual, mas de reposicioná-lo na teia do todo. Na visão eudaimônica, a magia não é uma varinha mágica para satisfazer ânsias passageiras. É consequência natural de quem se alinhou ao próprio “ethos” da alma, àquilo que vibra em sintonia com os ciclos da Terra, das estações, dos Deuses Antigos. Quando você dança com o mundo invisível, em vez de tentar comandá-lo, o poder flui através, não a partir de você.  

A diferença é radical. Enquanto uma perspectiva distorcida do “Faça o que tu queres” infla o Ego como um balão prestes a estourar, a visão wiccana dissolve fronteiras: você não é um deus isolado, mas parte de um organismo sagrado. A magia deixa de ser um mecanicismo de causa e efeito — “eu invoco, logo recebo” — e se torna linguagem de relacionamento. Como um rio que segue seu curso não por obrigação, mas porque é seu curso.  

Há um preço em ambas as vias. A primeira, a do Ego triunfante, cobra juros altíssimos: solidão espiritual, a ilusão de controle, e uma fome que nunca se sacia. A segunda exige entrega — abrir mão da fantasia de que somos entidades separadas, donas do jogo. Na Wicca, o poder não está em dobrar a realidade ao seu querer, mas em ouvir o murmúrio da alma (sua e do mundo) e responder. A magia acontece porque você se tornou canal, não porque forçou a fechadura.  

Crowley, é claro, falava de um “querer” além do eu pequeno. Mas quantos realmente mergulham nas profundezas para encontrá-lo? A Wicca, por outro lado, já nasce amarrada a um axioma: “Desde que não prejudique ninguém, faça o que desejar”. Note a nuance — não é sobre “faça qualquer coisa”, mas sobre agir a partir de um lugar que reconhece o sagrado no outro, na teia, no equilíbrio. A magia, aqui, é colheita plantada em solo ético.  

No fim, talvez tudo se resuma a uma pergunta: você quer ser um autor ou um coautor do mistério? O hedonismo mágico promete o primeiro, mas é na humildade do segundo que a alma encontra seu ritmo — e o universo, afinal, sempre dançou em círculos.