
Olyveira Daemon
Depois fiquei olhando, olhando, espantado com meu gesto impensado. Que foi que deu em mim?
Já fui assaltado três vezes, estou desempregado há quase dois anos, pago aluguel, o dinheiro está acabando e minha mulher e eu tivemos que colocar nossa filha em outra escola. Viva a vida? Que frase mais besta!
O vizinho viu e comentou:
“Parece título de livro de auto-ajuda.”
Minha tia viu e comentou:
“Parece bordão de político demagógico.”
Meu pai viu e comentou:
“Parece clichê de apresentador de programa de auditório.”
As cidades estão cada vez mais violentas. O planeta está cada vez mais doente. As pessoas estão cada vez mais intolerantes e agressivas. Viva a vida? Só pode ser brincadeira.
“Mas não é, não”, minha mulher disse. “Viva a vida, sim!”
Fiquei outra vez surpreso, agora com seu comentário. Ela tem razão.
Peguei o spray e completei:
VIVA A VIDA, SIM!
É isso o que está faltando: as pessoas saírem gritando e cantando e afirmando nas ruas, nas avenidas, nas praças, viva a vida, viva a alegria, viva o amor, viva a honestidade, viva o respeito, viva a generosidade, viva a planta, viva o bicho, viva o céu, viva o mar, viva a criança, viva o idoso, viva a literatura, viva a pintura, viva a música, e assim por diante. Se na hora da adversidade a gente não gritar e lutar e reclamar pelo que realmente vale a pena — paz, segurança e dignidade! —, ela, a vida, não fará muito sentido
