Casa da fazenda de Francisco Alves, até hoje na família, em Itatiba

Meu irmão comprou um livro numa livraria da rodoviária, para ler durante a viagem. Foi a viagem mais surpreendente que ele pode imaginar. O livro era de histórias antigas de famílias do interior de São Paulo , e falava também de pessoas da minha família. A história de amor, traição , canalhice e até assassinato prendeu a sua atenção e quando ele viu os nomes e sobrenomes levou o maior susto! E não é que os personagens principais eram nosso bisavô e nossa tia-avó, pessoa chegadíssima à nossa família?

Outra coisa, eu sempre soube que meu bisavô havia trocado de sobrenome , porque tinha um tio homônimo , o que trazia confusão e muitos aborrecimentos a ele.

Mas não !! Não foi desse jeito !! Na verdade, foi assim:

Esse senhor meu parente, coletor de impostos, tinha uma filha linda, charmosa e muito faceira! Quando chegou a hora, a mocinha foi mandada para São Paulo, para ficar interna num colégio de freiras. E lá ela ficou.

Aos domingos , as internas saíam para passear e num desses domingos provavelmente um quente e ensolarado, desses dias em que sempre começam os casos de amor, as meninas do colégio, saíram para passear no parque. E como as histórias de namoro sempre começam num parque, foi nesse dia ensolarado, num parque, que a menina se encantou por Maurício, um moço lindo, educado, finíssimo e riquíssimo. E, com todos esses predicados, como seria de ser esperar , era um conhecidíssimo mulherengo desses mulherengos de destruir as moças.

Bom, ele fez de tudo para conquistar a menina, com flores, e esperanças de namoro firme. Ela não resistiu. Encontravam-se aos domingos, num hotelzinho nos Campos Elísios. Ele prometeu mundos e fundos e também pedir sua mão ao pai. Essa paixonite durou mais ou menos dois meses, até que um dia a menina se sentiu mal, as freiras chamaram o pai, que a buscou e a levou ao médico.

O médico a examinou e disse que, doente ela não estava, porém , estava, sim, era de bucho!. Quando o pai soube, não acreditou, sentiu como se tivessem dado um tiro no seu estômago. Agarrou a filha pelo braço, levou-a para casa , onde ela foi trancada em seu quarto. Sem saber o que fazer ou o que pensar , o pai perguntou à menina , afinal, quem tinha cometido tamanha desgraça! Ela disse para o pai para não se preocupar , pois o moço, Maurício, era muito bom e havia prometido casamento!

Com essas informações, o coletor mandou uma carta para o rapaz, intimando-o a se apresentar para o casamento.

O moço , sendo uma pessoa absolutamente sem caráter, respondeu que ele não tinha nada a ver com o assunto, que era tudo invencionice da moça, e que se ele quisesse arranjar um bom casamento para a filha, que fosse achacar alguém em outra freguesia. Porém ele logo percebeu que, talvez, tivesse sido ríspido com o coletor, que sabia-se ser uma fera. Pensou melhor , arrumou a mala e pegou o trem para sua cidade, Brotas. Seu pai saberia o que fazer.

Enquanto isso, o coletor ia mandando inúmeras cartas ao moço, sempre sem resposta, porque depois da carta do Maurício, seu ódio imenso foi se transformando numa frieza sem sentimentos, profunda, vazia de qualquer emoção. Resolveu reagir à altura de tamanha desfaçatez e cafajestice.

Entrada da casa

Vendeu a coletoria, juntou todo o dinheiro que tinha, levou-o junto com a menina para as freiras do convento, que se comprometeram a cuidar dela e não deixa-la    sair de jeito nenhum.

O coletor foi ao palacete da família do moço e soube que ele tinha ido para a casa do pai. Eles eram de família muito conhecida portanto o coletor sabia exatamente onde moravam. Pegou um trem para Brotas e chegando lá, foi logo perguntando onde estava o Maurício. Soube que ele estava na barbearia. Foi direto para lá e encontrou-o sentado, tranquilamente, na cadeira vermelha do barbeiro , com o cabelo sendo aparado, com espuma de barbear no rosto, e uma toalha quente em volta do pescoço.

O senhor Francisco Alves , o coletor de impostos, pai da menina, esperou o Maurício se virar e levantar -se e aí desferiu um tiro que fez o moço cair na cadeira, morto instantaneamente . Quando o delegado chegou, o senhor Francisco Alves jogou sua arma no chão e para surpresa de todos os curiosos que estavam por ali , gritou: “ Eu me entrego”. Foi algemado , levado para a delegacia, onde ficou preso.

O irmão de Maurício ficou inconformado e queria vingança a todo custo, mas seu pai o dissuadiu de qualquer ação , com o argumento de que nenhum mal seria tão grande ao coletor, porque ele já havia destruído a sua vida e a vida de sua filha. Toda essa história deixou as famílias arrasadas e os pais, destruídos.

Agora, para mim, o que aconteceu, é que o meu sobrenome ficou sendo Pimentel, minha tia transformou-se da menina numa mulher lindíssima, pintora acadêmica de primeira, casou-se com um médico ortopedista, que hoje é nome de prédio, viveu bastante, mas nunca teve filhos.

O livro de onde tirei essa história é interessantíssimo, pois tem outras histórias também muito gostosas de ler:

GUARACY, Thales. Filhos da Terra Romance. 2ªedição. São Paulo: Editora Arx, 2004