O dia em que o FBI prendeu um DJ na Califórnia por “posse de discos de jazz”

Em 1941, seis meses antes do início da participação norte-americana na 2ª. Guerra Mundial, o Cap. Howard Bronson recém transferido conselheiro musical para o Setor de Recreação e Bem-Estar do Exército, teve a ideia de enviar para os locais onde haviam tropas americanas, discos contendo músicas de bandas marciais que fossem inspiradoras aos soldados.

A ideia do Capitão foi implementada e a partir de 1942, o Serviço de Rádio das Forças Armadas passou a enviar discos de tamanho profissional (16” e 33 rpm) para os teatros de operações, com conteúdos musicais variados, programas de rádio editados, concertos, shows de big bands, etc.

Os discos das Forças Armadas estavam fazendo muito sucesso entre os recrutas que clamavam por novidades e não somente materiais já conhecidos. Nesse momento junta-se ao Serviço, o Tenente George Vincent, com grande experiência no mercado de música. Ele propõe e consegue das Forças Armadas, orçamento inicial de 1 milhão de dólares e cria a gravadora batizada de “V-Discs Records”.

Nesse período, todas as novas gravações e produções de discos estavam paralisadas nos Estados Unidos. A Federação Americana de Músicos travava uma batalha com as grandes gravadoras da época, (RCA Victor, Decca, Columbia e Capitol) reivindicando mais royalties para seus associados, pela execução comercial dos discos tocados nas rádios ou juke-box por todo o país. O projeto com apelo tão patriota conseguiu da Federação uma licença especial para a V-Discs Records desde que as gravações nunca fossem utilizadas com propósitos comerciais e que fossem destruídos ao final da guerra. As gravadoras cederam seus artistas sob a mesma condição.

É desnecessário dizer que a essa altura, muitos profissionais da indústria de discos já haviam aderido ao programa V-Disc, garantindo a qualidade técnica do material produzido. O entusiasmo dos artistas e músicos foi total. Juntaram-se em um mesmo estúdio até os irmãos Tommy e Jimmy Dorsey grandes rivais com suas respectivas big bands. Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Buddy Rich, Fats Waller, Glen Miller e todos os grandes músicos da época produziram com exclusividade para o Selo V-Discs.

Mas isso não seria o fim das dificuldades. Faltava matéria prima para a produção dos discos, que naquele tempo eram produzidos com “shellac”, uma resina natural importada da Indochina, naquela época ocupada pelo Japão. A tentativa de utilizar resina reciclada falhou. Os problemas só foram resolvidos, com a utilização de uma nova resina sintética, à base de vinyl produzida pela Union Carbide.

A produção dos V-Discs foi então um grande sucesso. De 1943 a 1945 mais de 4 milhões de discos foram enviados para os teatros de operações norte-americanos na Europa, Ásia e Pacífico.

A guerra acabou, a Federação dos Músicos Americanos ganhou direito a seus Royalties, mas os patriotas da V-Discs continuaram a produzir para as tropas. A produção perdurou durante o período de ocupação e posteriormente à Guerra da Coréia. Os kits finais de V-Discs foram enviados. Uma caixa contendo trilhas com Sarah Vaughan, Tex Ritter, Buddy Rich, Duke Ellington, Frank Sinatra e Leopold Stokowski, foram os últimos V-Discs produzidos.

Ao final do projeto, as matrizes e os discos prensados foram destruídos ou descartados. Possuir V-Discs a partir desse momento passou a ser crime federal. Imaginem todo esse tesouro de incalculável valor artístico produzido nesses 7 e poucos anos destruído e fora do alcance do público… O FBI confiscou e destruiu milhares deles. Um empregado de gravadora em Los Angeles chegou a ficar preso alguns dias pela “posse” de 2500 V-Discs.

Mas… os V-Discs foram salvos pela Biblioteca do Congresso Americano e o Arquivo Nacional possui algumas das matrizes de alumínio originais.

Devido às limitações das leis de direitos autorais, apenas uma pequeníssima porção desse material foi editada nos últimos 20 anos mas com pouca divulgação. A maioria hoje se encontra nas discotecas dos colecionadores bem informados. Restam ainda alguns na Amazon… Pode-se ouvir alguns no Spotify também.

Por último, nunca se soube realmente se o “V” de V-Disc era de George Vincent, o realizador do projeto ou de Victory Discs, mas o bem quase não venceu.

Por José Roberto Rocco Jr, é administrador, especialista em Planejamento , músico de várias correntes e também de jazz, sua paixão. É baterista desde o início de sua vocação musical. joserocco@hotmail.com